A Covid-19 pode ser considerada doença ocupacional. Você sabe o que fazer para evitar esse problema?

Autor:

01/09/2020

Por Mariana Vozniak Leite – OAB/PR 47.407

Advogada graduada pela UFPR

Experiência de 11 anos na área trabalhista

 

Dentre as muitas incertezas que nos assombram em meio a essa pandemia, a possibilidade de a COVID-19 ser considerada doença ocupacional é uma delas. E vem tirando o sono de muitos empregadores.

Não à toa, afinal, há quem sustente, e divulgue amplamente pela internet, que o STF já teria decidido que a doença causada pelo novo Coronavírus é ocupacional.

Mas essa teoria não é a mais acertada.

Na verdade, ela é fruto de uma interpretação equivocada e nada aprofundada de uma decisão do STF que suspendeu a eficácia do artigo 29 da MP 927/2020, que assim dispõe:

"Os casos de contaminação pelo coronavírus (Covid-19) não serão considerados ocupacionais, exceto mediante comprovação do nexo causal".

Como se vê, esse artigo condiciona o reconhecimento da doença ocupacional à prova de que a contaminação ocorreu em razão do trabalho (“comprovação do nexo causal"). Prova esta que deve ser produzida pelo trabalhador.

Entretanto, e nos parece óbvio, suspender a eficácia desse artigo não significa automaticamente reconhecer a doença como ocupacional, independentemente de qualquer outro fator.

Aliás, o próprio STF esclareceu, na oportunidade, que tal suspensão se deu como forma de preservar os trabalhadores de atividades essenciais e que, ninguém nega, estão diretamente expostos ao risco.

Diante disto, e excepcionados esses trabalhadores, é preciso voltar os olhos para as normativas vigentes para compreender melhor a questão.

O atual posicionamento dos tribunais em matéria trabalhista adota como regra a teoria da responsabilidade civil subjetiva, prevista nos arts. 186 e 927, do Código Civil e no art. 7º, XXVIII, da Constituição Federal, segundo a qual, há necessidade de averiguação e comprovação do nexo causal, além da culpa do empregador.

Também merece destaque o fato de que o artigo 20 da Lei 8.213/91, especificamente em sua alínea “d”, prevê que não será considerada como ocupacional “a doença endêmica adquirida por segurado habitante de região em que ela se desenvolva, salvo comprovação de que é resultante de exposição ou contato direto determinado pela natureza do trabalho.”

Por analogia, este dispositivo poderia ser aplicado à atual situação de pandemia, de maneira que havendo comprovação de que a patologia foi contraída em razão do trabalho, por exposição direta ao agente nocivo sem a devida proteção, é possível que a doença seja considerada ocupacional, para todos os fins.

Portanto, toda a legislação brasileira - inclusive o atualmente suspenso artigo 29 da MP 927/2020 - via de regra exige a comprovação da relação de causa e efeito entre a patologia e a atividade laboral.

Seguindo este raciocínio, temos então que os trabalhadores que desempenham atividades de risco ou essenciais contam com a presunção de que a doença foi contraída em função do exercício do trabalho, cabendo à empresa o ônus da prova de que cumpriu com todas as medidas de proteção visando evitar a contaminação, como por exemplo, o fornecimento de equipamentos de proteção, disponibilização de produtos para higienização das mãos, restrição na quantidade de pessoas circulando no ambiente, etc.

Por sua vez, os trabalhadores que atuam em empresas de outros segmentos, ditos não essenciais, permanecem com o ônus de demonstrar que o contágio se deu no ambiente laboral ou em razão do trabalho, gozando o empregador da presunção de que não se trata de acidente de trabalho.

Então, ao contrário do que dizem por aí, a decisão do STF em momento algum determinou se tratar de uma doença ocupacional. Longe disso!

A normativa que existe sobre a matéria não permite outra interpretação senão a de ser necessária a análise pontual de cada caso.

Desse modo, a melhor forma de recuperar o sono nesse momento de tantas incertezas, e de se precaver de futura responsabilização indevida, é assumir uma postura diligente, não apenas adotando e fazendo cumprir medidas de proteção de saúde e segurança do trabalhador, mas também documentando todas as práticas realizadas.

Esteja sempre atento às Leis, Decretos e demais normas locais, e se estiver com dúvidas, procure um advogado ou advogada de sua confiança.